Casei em 1968 e ainda estou casada. Tivemos duas filhas, mas não tivemos intimidade durante 40 e tal anos. No início houve alguns momentos agradáveis, não posso dizer que não, mas depois do nascimento da minha filha mais velha, cerca de dois anos após o casamento, ele começou a maltratar-me. Acho que ele tinha ciúmes da miúda. “Tu és mãe, não és mulher”, dizia a toda a gente mesmo à minha frente, aproveitava todos os motivos para me fazer sentir mal, para me rebaixar, para me humilhar.
E isto foi sempre agravando-se. A determinada altura começou-me a agredir não só por palavras, como também por ações. Atirava com tudo, partia coisas em casa. Gritava muito, todos os dias. Aquilo era uma vergonha com os vizinhos. Eu tinha muita vergonha.
A partir do quarto ou quinto ano de casados começou o problema do dinheiro pois ele queria geri-lo, mas eu não queria. Ele deixou de levar dinheiro para casa. Felizmente em termos financeiros, sempre fui independente. O que seria de mim se não fosse independente!
Pagar as despesas tornou-se muito complicado, muito difícil. Muitas vezes tive de pedir dinheiro. Ele raramente comparticipava nas despesas da casa. Tinha de pagar a renda, alimentação, água e luz. E mais tarde a faculdade das miúdas. Com o decorrer dos anos, ele lá começou a dar dinheiro, muito contado, mas ia dando. A minha sorte é que eu ganhava relativamente bem.
Mas eu tinha um defeito, nunca disse nada a ninguém. Nunca desabafei com ninguém. Estava a trabalhar e ia para a casa de banho chorar. Só me levantava da minha secretária para chorar. Toda a gente via que estava triste, mas ninguém sabia porquê.
Eu nunca me queixei, durante anos e anos fui maltratada psicologicamente por palavras, por ações e às vezes fisicamente.
Um dia as agressões físicas descambaram. Ele já por várias vezes tinha-me dado uma lambada, mas desta vez foi diferente. Ele ia a conduzir e de repente começou a bater-me. A minha cara transformou-se num bolo, já nem a sentia de tanta bofetada que levei. Deu-me uma e apanhou o nariz tendo saltado muito sangue. Ele quando viu o sangue parou. Chamei a polícia, quando chegaram interrogaram-nos e chamaram o INEM. Fui para o Hospital de Cascais e quando sai hospital fui para casa da minha filha porque ele foi para a nossa. Entretanto, a polícia tinha-me dado uns panfletos, um do Espaço V e outro da APAV.
Depois deste episodio, saía de casa de manhã, chegava à noite sem comer nada e caminhava o dia inteiro. Caminhava, só caminhava, rompi sapatos, estraguei três pares de sapatos, gastos de tanto andar. Não conseguia estar em casa, não conseguia. As minhas filhas ainda ficaram lado do pai. Ele convenceu-as que eu era maluca, que tinha inventado que ele tinha amantes e conseguiu virá-las. Porquê? Porque eu nunca me queixei, porque nunca disse nada. Guardei sempre tudo para mim.
Um dia, em 2021, olhei para os panfletos que estavam em cima da mesa da sala, e pensei que na APAV devia haver muita gente, e decidi ligar para o Espaço V com a esperança de que me ajudassem. Liguei. Atendeu uma senhora que deve ter percebido que eu estava mal, disse-lhe que precisava de um psicólogo, que estava muito em baixo. Tinha tido um problema com o meu marido e havia um processo em tribunal.
Ter ligado e vindo ao Espaço V foi a minha salvação. E não fosse o Espaço V eu já não raciocinava e estava cada vez pior, precisava de ajuda. Eu já tinha dado em maluca se não fosse o acompanhamento do Espaço V.
Atualmente a relação com as minhas filhas está um bocadinho melhor.
Em relação ao processo no Tribunal, ele foi condenado. Tinha de ser condenado. A sentença dele foi pagar-me 250€, que ainda não os vi. Estou a pensar falar com a minha advogada para meter os papéis do divórcio.
Para as pessoas que estão numa situação semelhante àquela que passei aconselho que nunca se deixem humilhar até ao extremo como foi o meu caso. Ninguém muda ninguém. Nunca deixem ninguém por o pé em cima. É um sofrimento muito grande. Não vale a pena discutir, é acabar, é sair airosamente.