Vela Sem Limites: Cascais no mar da inclusão

O vento forte agita bandeiras e cabos no cais do Clube Naval de Cascais. O mar calmo e a tarde ensolarada estão favoráveis à prática da vela. Charles Lindley e Eduardo Corte-Real, os rostos do CNC no projeto Vela Sem Limites, esperam pelos jovens praticantes de vela para pessoas com deficiência. É o horário reservado para o Desporto Escolar, em que alunos com necessidades educativas especiais das escolas do Concelho têm a oportunidade de praticar este desporto náutico. O encontro entre os alunos e os responsáveis do projeto é marcado por abraços e cumplicidades. Fazem parte do grupo de 100 praticantes regulares que todas as semanas vão para o mar em embarcações específicas para transportar pessoas com mobilidade reduzida.

Eduardo Corte-Real e Ana Júlia

Experiência pioneira
“É uma história de sucesso. Trata-se de olhar a deficiência na perspetiva da inclusão” refere Ricardo Caldeira, Chefe de Divisão de Promoção da Saúde “Os beneficiários são crianças e jovens com deficiências cognitivas, motoras e visuais”. O projeto Vela Sem limites tem mais de 10 anos e “desencadeou uma estratégia nacional para a vela adaptada”. “Esta modalidade iniciou-se em Portugal no Norte do país mas muito virada para as competições, para as regatas” explica Charles Lindley “ em Cascais, o apoio da CMC permitiu ter a componente social” que se traduz numa ampla diversidade de instituições e de participantes que assim praticam a modalidade gratuitamente. “Claro que temos competição mas damos mais importância à vertente social. Já existem outras associações e clubes pelo país que adotaram este modelo mas Cascais continua a ser excecional em termos de números e dimensão”.

“Claro que temos competição mas damos mais importância à vertente social. Já existem outras associações e clubes pelo país que adotaram este modelo mas Cascais continua a ser excecional em termos de números e dimensão”.

Sempre em evolução
Foi em 2005 que se assinou um protocolo entre o Clube Naval de Cascais, a CERCICA e a Câmara Municipal de Cascais e o projeto Vela Sem limites não parou de evolui. Este enquadramento institucional proporciona a pessoas com deficiência que estão integradas em instituições praticarem este desporto, permitiu incluir a vela adaptada como modalidade do Desporto Escolar em Cascais e também acolhe pessoas com deficiência, a título individual. É o caso de Pedro Câncio Reis, que começou como praticante e agora é também monitor. Foi praticante de futebol e natação mas há 10 anos procurou algo mais: “outros desportos têm regras e acaba por ser só aquilo. A vela, sempre que vou para o mar, é diferente: o vento está diferente, porque as ondas estão diferentes, porque o barco se pode afinar de uma forma diferente. Há inúmeros parâmetros e situações que acabam por ser desafiantes, que puxam mais por mim. Fiquei aqui mais tempo do que noutro desporto qualquer”. De aluno a atleta campeão, foi um passo. ”Logo no primeiro ano, convidaram-me para participar nas competições. Acabei por ser campeão nacional nesse ano e depois também campeão da Europa. A partir daí foi sempre a abrir”

Pedro Câncio Reis

Ir além da vertente lúdica
O projeto Vela Sem limites é objeto de uma monitorização cuidada em que se pretende avaliar os efeitos da prática da vela em pessoas portadoras de deficiência a nível psicomotor, comportamental e social, e de qualidade de vida global. Os impactos positivos são confirmados por Pedro Câncio Reis, agora no papel de monitor “Estou a acompanhar pessoas para quem a vela é uma terapia. Tento com que a pessoa se sinta bem. Quero acreditar que a vela faz diferença na vida daquelas pessoas como fez para mim. É o meu escape, é onde eu posso descarregar a minha energia e respirar ar puro. Estar fora dos problemas que possam existir, da vida normal”.

Praticantes aguardam a sua vez no cais do Clube Naval de Cascais

Rumo ao futuro
Os atletas portadores de deficiência convivem diariamente, inclusive em regatas, com atletas sem limitações. O CNC realizou alterações de modo a que os atletas não tivessem qualquer impedimento em usufruir de todas as áreas das instalações. Trata-se de uma experiência exemplar de como um projeto que tem como objetivo a inclusão acaba por tocar não só os seus beneficiários mas multiplica os seus impactos. “Nós temos um pagamento muito importante: quando estes miúdos saem de dentro do barco, saem com um sorriso de orelha a orelha” refere Eduardo Corte-Real. Os resultados mostram que o investimento em algumas infraestruturas básicas e equipamento têm efeitos imediatos na capacidade de resposta do projeto. E são estes resultados que mobilizam a colaboração de voluntários e as empresas patrocinadoras. O próximo passo será a aquisição de uma nova embarcação que pode levar até 10 pessoas e cadeiras de rodas e em que 2 monitores poderão acompanhar 8 praticantes. O financiamento desta aquisição será comparticipado a 50% pela Câmara Municipal de Cascais, que suporta nesta proporção todos os custos do projeto. Para financiar a verba em falta, está a decorrer uma ação de angariação de fundos aberta à comunidade. Saiba mais

20 de Janeiro de 2020
helenabonzinho